A indevida intimidade entre o poder Judiciário e o Governo: Prejuízos para o regime democrático?

O Barão de Montesquieu no clássico “do espírito das leis” estabeleceu que: é uma experiência eterna a de que todo homem que tem poder tende a abusar dele; e ele vai até onde encontra limites. Quem o diria! A própria virtude tem necessidade de limites. Para que se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder detenha o poder.

Nesse sentido, o preceito basilar e democrático estabelecido por Montesquieu é conhecido por todos, de que urge a necessidade de que os poderes sejam independentes entre si, cada qual com sua função e que busquem rotineiramente, a harmonia. Para que o poder, possa ser usado para deter o próprio poder.

Dito isto, li recentemente numa matéria do jornal “Folha de São Paulo”, de que a atual composição do Supremo Tribunal Federal, quando foi colocado em análise sobre matérias que envolviam o governo, a cada 10 julgamentos, em 9 deles o STF deu decisões favoráveis. “Desde o início deste mandato, o governo do presidente Lula (PT) registrou decisões em linha com as suas posições e obteve uma sucessão de vitórias no STF (Supremo Tribunal Federal) por meio da AGU (Advocacia-Geral da União). Das 111 ações constitucionais com origem no STF nas quais a AGU se manifestou e que foram julgadas pela corte em 2023 e 2024, 99 tiveram resultados aderentes ao posicionamento da instituição, o que corresponde a 89% do total”.

Se você leitor exercitar a memória, não vai lembrar de nenhuma decisão do STF, no atual governo, que tenha sido desfavorável. Salvo a questão das emendas parlamentares, que não era intenção do governo pagar, de maneira que, se conta como mais uma decisão em acordo aos interesses do governo.

Não entro no mérito petista ou bolsonarista da situação, mas sim, no fato de que de maneira evidente, a atual composição do STF tem um entendimento mais flexível e mais favorável ao atual governo. Tal fato, por si só não seria negativo. No entanto, quando essa interpretação positiva passa a ser uma intimidade entre os membros dos poderes, problemas institucionais começam a surgir.

De outra ponta, é fato registrar que após o julgamento da Ação Penal nº 470 (Mensalão), bem como os julgamentos da finada Lava Jato, as decisões e interferências do STF tomaram proporções bem maiores do que outras composições da Corte em períodos pretéritos. É usual ler matérias na grande imprensa, de Ministros do STF se comunicando com os Presidentes do Congresso Nacional e Ministros de Estado, manifestando sua opinião sobre o avanço de determinada matéria, da mesma maneira, veto e orientação para retardar outras matérias.
Dessa maneira, suscito e provoco o seguinte questionamento: um regime democrático se mantém saudável, quando o Juiz, figura imparcial e escolhida constitucionalmente para resolver os conflitos, está numa posição de amiga do rei? (Rei: leia-se chefe do governo).
Já adianto que também não entrarei no mérito dos julgamentos contra a operação Lava Jato, bem como as decisões sobre os envolvidos e acusados no 8 de janeiro. Porém, é salutar provocar que boa parte dos então condenados na Lava Jato, estão hoje todos soltos ou com seus processos anulados. No entanto, alguns presos de 08/01 em condições legais de prisão domiciliar, seguem cumprindo pena em regime fechado. Julgados num processo, que goste ou não, tem a figura do acusador, vítima e julgador exercendo o mesmo papel.

O essencial problema que fere de morte o regime democrático, está calcado na intimidade entre os detentores do poder, de forma que poderes distintos passam a exercer funções e responsabilidades iguais. Explico. Se o constituinte estabeleceu que haveria um poder para julgar, outro para legislar e outro para executar, não foi somente para dividir e fragmentar o poder, mas para forçar que poderes distintos fossem exercidos por pessoas distintas e com interesses distintos.

A partir do momento que esses poderes são exercidos por pessoas distintas, mas com os mesmos interesses, onde ficará o controle e equilíbrio? Quem julgará e fiscalizará o seu igual? Quem governará em desacordo com o seu igual?

A intenção desse artigo, não é formar nenhum pensamento ou induzir a chegar a qualquer tipo de conclusão. Mas tão somente, levar a seguinte provocação: você se sentiria confortável em ser julgado num conflito contra o governo, quando sabe que o juiz é íntimo deste?

Izaque Costa é advogado, assessor jurídico de Câmara Municipais de Vereadores e Procurador da Câmara Municipal de Toritama.

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